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Com concessões encaminhadas, PPI foca em privatização e saneamento

O "novo" Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que migrou para a Casa Civil e agora tem a economista Martha Seillier como secretária especial, recebeu do presidente Jair Bolsonaro uma missão: acelerar parcerias com o setor privado, não ficar só nas concessões e reforçar sua carteira com a privatização de estatais.

No caso dos Correios, uma das nove companhias incluídas na lista de desestatizações, a encomenda do governo ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é que os estudos sobre uma eventual privatização fiquem prontos em seis meses. "Ninguém aqui tem fetiche por vender ou fechar os Correios", afirmou Martha ao Valor .

Ela explicou que o objetivo de um novo comitê interministerial, a ser criado por decreto nos próximos dias, é fazer um raio-X dos Correios ao conselho de ministros do PPI para a escolha de uma das alternativas: venda de participação na holding, mas mantendo o controle acionáriocom a União; privatização total, o que exigiria uma lei ordinária ou mudança constitucional devido à quebra do monopólio postal; ou cisão da empresa para a busca de sócios privados em atividades específicas, como encomendas expressas.

"Precisamos ter clareza dos caminhos, priorizando sempre a viabilidade da companhia e o atendimento na ponta. Daqui a cinco anos, se não tiver venda do controle, há risco de um "shutdown" dos serviços e a população vai ficar desatendida?", questiona a secretária. "O que não vamos é colocar o problema debaixo do tapete. Pelo contrário, nós queremos expô-lo."

Na ida da Secretaria de Governo para a Casa Civil, o PPI ganhou uma responsabilidade maior na estruturação de projetos na área de saneamento básico, apoiando Estados e - principalmente - as prefeituras com escassos recursos técnicos. O governo oferecerá estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental para que municípios possam fazer a concessão de serviços de coleta e tratamento de esgoto à iniciativa privada. Também se dispõe a formular os editais. "A maioria das prefeituras não tem condições."

De acordo com a secretária, isso representa uma mudança de foco. No passado recente, o BNDES se empenhou no apoio à privatização de companhias estaduais de saneamento. O problema é que os governadores resistem à perda do controle, as assembleias legislativas também, e nada evoluiu como o esperado.

Martha alerta, porém, sobre um rescaldo positivo: o banco estudou a privatização de sete empresas e tem bem identificadas as oportunidades de entrada de investidores em pelo menos sete Estados - entre eles, Rio de Janeiro, Rondônia e Alagoas. A ideia é deixar de lado a privatização das companhias estaduais como única aposta e estimular a formação de blocos de municípios. Os blocos podem ser oferecidos à iniciativa privada independentemente da evolução de um novo marco regulatório, que está tramitando no Congresso Nacional.

A secretária quer um diálogo mais intenso com potenciais investidores. "Sabemos que há grupos com várias áreas de interesse mapeadas", afirma. Ela diz que é preciso acabar com dois "mitos" no setor: o de que não há interesse privado por municípios pequenos e o de que as tarifas são altas demais. "A maior parte dos contratos privados que existem hoje é em cidades com menos de 50 mil habitantes."

O governo estima em R$ 600 bilhões a R$ 700 bilhões os investimentos necessários para a universalização dos serviços de oferta de água, coleta e tratamento de esgoto no país. Sem contar a manutenção e modernização das redes já existentes. Uma cifra que seria possível alcançar apenas mediante aportes - e eficiência - trazidos pelo capital privado.

"No auge do PAC, chegamos a ter R$ 12 bilhões aplicados pela União em um ano. Mas 50% dos investimentos federais nos últimos dez anos foram para apenas três Estados: São Paulo, Paraná e Minas Gerais. É uma alocação de recursos ineficiente. Quando tivemos dinheiro para investir de forma mais intensa, não houve resultados na ponta", diz Martha.

Conforme enfatiza a secretária, essa postura não significa dar menos importância ao projeto de lei com um novo modelo para o saneamento, em discussão na Câmara, mas apenas caminhar em trilhos paralelos. O relator do PL, deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), quer a votação da proposta em plenário no fim do mês que vem.

O projeto dá, por exemplo, poder à Agência Nacional de Águas (ANA) para editar normas de referência no setor - que é regulado por 49 agências diferentes no país. "É ideal ter regras, mais estabilidade e uniformização em regras de contabilidade regulatória, de reajuste de tarifas e de qualidade do serviço", afirma.


Com a criação de uma secretaria de fomento e apoio a parcerias de entes federativos, que cuidará do diálogo com governos estaduais e municipais para concessões fora do âmbito federal, o mercado desconfiou do futuro do PPI. O temor é que um programa concentrado em uma lista seleta de ativos fique inchado e perca o sentido de prioridade onde atua. A carteira abrange empreendimentos de dezenas de bilhões de reais em ferrovias, rodovias, portos e aeroportos, além de usinas hidrelétricas, linhas de transmissão e blocos de petróleo.

Martha demonstra tranquilidade absoluta com essa suposta dispersão. Para ela, o PPI ajuda ministérios setoriais a organizar concessões, mas o cenário hoje é diferente de 2016, quando esse núcleo foi criado no Palácio do Planalto. "Já temos no Ministério da Infraestrutura, com o ministro Tarcísio [Freitas, da Infraestrutura] e sua equipe, uma locomotiva em alta velocidade estruturando as concessões. Isso nos permite mobilizar nossas próprias equipes para outras que têm maior necessidade."

Valor Econômico, Carla Araújo e Daniel Rittner